O nascimento de Cristo possui incoerências históricas e geográficas?
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Todo o final de ano é a mesma coisa: basta aproximar-se o Natal para que os fatos do nascimento de Cristo sejam questionados. Dentre os argumentos contrários ao registro oficial do nascimento de Jesus, temos: o questionamento sobre a Sua cidade natal, que dizem não ser Belém; a suposta inexistência do Censo de Quirino; o nascimento no dia 25 de dezembro, combinando com o nascimento de divindades pagãs (assim, afirmam que Jesus foi inventado, mesmo que não saibam indicar os documentos que afirmem que deuses pagãos nasceram em 25 de dezembro); e o morticínio dos bebês de Belém pouco após o nascimento do Messias que, segundo os críticos, deveria aparecer em documentos extra-bíblicos. Considerando essas acusações, o momento é muito oportuno para trabalharmos os seguintes temas:
1 – Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro
Dos detalhes do texto neotestamentário para o dia do nascimento de Jesus, o mais significativo é o dos pastores, que dormiam ao relento, no campo, quando os anjos apareceram no céu para lhes contar a Boa Nova (Lucas 2:8). Ora, sabemos que o mês de dezembro se situa no inverno do Hemisfério Norte e que faz bastante frio nas proximidades de Jerusalém – chega a cair neve por lá nessa época.
O clima invernal impossibilitava que os pastores dormissem ao relento com suas ovelhas – sabe-se que eles faziam isso na primavera e no verão, quando o orvalho regava a relva. Essa é uma evidência bastante clara de que o dia do nascimento de Cristo ocorreu em uma estação mais quente. A Bíblia Em Ordem Cronológica, Vida, 2003, data o nascimento do Messias no começo de Abril de 5 a.C. O dia 25 de dezembro foi fixado apenas no século IV. Fonte: Manual Bíblico Unger, Merril Frederick Unger, Vida Nova, 2006, pg 417.
O ano do nascimento de Cristo também não é o Ano 1. Herodes, o Grande, responsável pelo extermínio dos bebês da região de Belém, morreu, segundo os registros históricos, no ano 4 a.C., levando-nos a posicionar o nascimento de Cristo por volta do ano 6 ou 5 a.C. Segundo Merril C. Tenney, O Novo Testamento, Sua Origem e Análise, Shedd Publicações, 2011, pg 46, Herodes, o Grande, morreu atacado por um cancro nos intestinos e por hidropsia no dia 1º de abril de 4 a.C. Fonte auxiliar: O Novo Dicionário da Bíblia, J. D. Douglas, Vida Nova, 2006, pg 585-586.
– Quem calculou o ano do nascimento de Cristo?
No século VI d.C., quando o calendário cristão, que calculava o tempo antes e depois do nascimento de Cristo, substituiu o antigo calendário romano, que contava o tempo a partir da fundação de Roma, em 753 a.C., o monge Dionísio, o Pequeno, cometeu um erro de pelo menos quatro anos – erro detectado apenas muito tempo de depois, quando tal calendário já estava em pleno uso. Ele determinou 748 ou 749 a.C. como a data para a fundação de Roma, e não 753. É por esse motivo que Jesus acabou nascendo por volta de 5 ou 4 a.C. Fonte: Manual Bíblico Unger, Merril Frederick Unger, Vida Nova, 2006, pg 417.
2 – Há bases sólidas para crer na ocorrência do Censo de Quirino
A alusão de Lucas ao governador da Síria nos tempos do nascimento de Cristo (antes de 4 a.C.), Quirino, tem sido vista com desconfiança por muitos estudiosos (Lc 2:2), mas obviamente que não deveria ser assim, pois existe muita precisão no relato de Lucas. A desconfiança brota do conhecimento de que Quirino tornou-se legado imperial só em 6 d.C., quando realizou o censo que provocou uma rebelião chefiada por Judas, o Galileu (At 6:7) – atualmente, porém, há grande aceitação de que um censo prévio, conforme relata Lc 2:1, pode ter sido realizado no reinado de Herodes, o Grande (1); de que ele pode ter implicado no retorno de cada indivíduo à terra natal ou centro regional de residência da família (2); de que pode ter sido um censo geral que abrangeu todos os cantos do Império (3) e de que pode ter acontecido em mandato anterior governamental de Quirino, da Síria (4):
1 – Josefo nos informa que nos últimos tempos do reinado de Herodes, o imperador Augusto começou a tratá-lo mais como súdito do que como um amigo e de que toda a Judeia fez um juramento de lealdade a Augusto. O advento de um censo num reino sob proteção não é algo sem paralelo – no reinado de Tibério um recenseamento foi imposto ao reino de Antíoco, na Ásia Menor oriental.
2 – A obrigação de cada pessoa de registrar-se no domicílio de origem encontra seu paralelo num edito do ano 104 a.C., em que Víbio Máximo, prefeito romano do Egito, declara:
Estando próximo o recenseamento de famílias, temos por bem que notificar a todos quantos, por qualquer razão, se encontram distantes da divisão administrativa em que se enquadram que retornem à região a fim de dar cumprimento à costumeira ordenança do censo e continuar na posse de sua própria terra.
3 – Há fortes evidências da realização de recenseamentos em várias partes do Império Romano entre os anos 11 e 8 a.C.
4 – Há considerável evidência de que, quando Quirino assumiu o governo da Síria em 6 a.C., essa era a segunda vez que servia como legado imperial – a primeira se deu entre 12 e 6 a.C. Para William Ramsay, Quirino foi investido como legado adicional e extraordinário para fins militares, outros estudiosos sugerem que seu primeiro legado imperial se deu na Galácia, não na Síria, e há os que preferem ler, conforme Tertuliano, “Saturnino” no lugar em “Quirino”, em Lc 2:2.
– Outras possibilidades para o Censo de Quirino:
Lucas poderia ter conhecimento de um censo anterior ao realizado em 6 d.C., também supervisionado por Quirino; o documento “Lapis tiburtinus” indica que Quirino foi governador da Síria duas vezes, podendo ter feito dois censos; alguns sugerem que a tradução correta de Lc 2:2 deva ser:
Este censo era anterior àquele feito quando Quirino era governador. Fontes: Merece Confiança o Novo Testamento?, F. F. Bruce, Vida Nova, 2010, pgs 105-115; Bíblia de Estudo Arqueológica, Vida, 2013, pg 1667.
Ao que parece, Quirino governou a Síria em duas ocasiões: de 4 a.C. até 1 d.C., quando foi feito este recenseamento, e mais uma vez em 6-10 d.C. Fonte: A Bíblia de Estudo Anotada Expandida, Charles C. Ryrie, Mundo Cristão, 2007, pg 984.
A debatida declaração de Lucas (2:2) que diz que Ele nasceu na ocasião em que um censo foi levantado por Quirino, recebeu confirmação quando E. Jerry Vardaman descobriu letras microscópicas em moedas e inscrições dos tempos de Cristo, que declaram que Quirino era procônsul da Síria e da Cilícia desde 11 a.C. até depois da morte de Herodes o Grande em 4 a.C. É possível que a rejeição da acuidade de Lucas nesse aspecto seja agora deixada de lado. (…)
Papiros do Egito demonstraram em três diferentes instâncias que, naquele período, realizava-se um censo a cada quatorze anos no Império Romano, e que os cidadãos eram obrigados a voltar para o seu local de nascimento para alistamento e pagamento de impostos. Fonte: Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Walter A. Elwell, Vida Nova, 2009, pgs 3-4 do Terceiro Volume, artigo de J. R. McRay.
– O Censo de Quirino na perspectiva de Joseph Ratzinger (Bento XVI):
Há indícios de que Quirino, por encargo do imperador, já estava atuando no ano 9 a.C., na Síria. Segundo Alois Stöger, o recenseamento nas circunstâncias relatadas no Evangelho se desenrolava lentamente, abrangendo anos, efetuando-se em duas etapas: primeiro, a inscrição de todas as propriedades (terras e imóveis) para, depois, determinar os impostos que deveriam ser pagos. A segunda etapa incitou uma insurreição.
Para tal inventário, segundo diversas fontes, era necessário que o proprietário se dirigisse até o local onde tinha suas propriedades. Com base nisso, podemos supor que José, da casa de Davi, possuísse um terreno em Belém – e isso justifica a sua ida para lá. Fonte: A Infância de Jesus, Joseph Ratzinger (Bento XVI), Planeta, 2012, pgs 56-57.
3 – Há bases para crer que o morticínio dos bebês de Belém realmente aconteceu
Temendo a ascendência do Messias, do Rei prometido dos judeus, Herodes, o Grande, ordenou a matança de todos os bebês meninos de até dois anos de Belém e suas proximidades. Para muitos, esse relato assustador deveria constar nos registros históricos, pois parece indicar que milhares de bebês foram mortos – na verdade, provavelmente não foram assassinados mais de duas dezenas.
Belém não era uma cidade grande. Talvez tinha cerca de mil habitantes nos tempos do nascimento de Cristo. O número de bebês meninos com menos de 2 anos de idade era, portanto, bastante reduzido. A morte de algumas dezenas de bebês não foi um evento traumatizante para as mentes da Antiguidade, a ser percebido pelos historiadores judeus ou romanos – ainda mais tendo ocorrido na distante Palestina que, ocupada pelos romanos, estava acostumada com todo o tipo de abuso dos governantes, incluindo estupros e homicídios. Além disso, o clima de revolta era perene. A morte dos bebês certamente chocou os moradores locais, mas não foi um evento muito significativo – e entrou na história de Cristo por ter sido importante especificamente para ela.
Além das dimensões do ocorrido, não era comum que os reis antigos permitissem que crimes tão cruéis e covardes fossem registrados em suas biografias. Herodes certamente somou esforços para que seu nome não fosse relacionado a um evento tão desprezível. Mas é claro que Lucas, que teve contato com Maria, mãe de Jesus, e com muitos dos apóstolos, conseguiria garimpar esse tipo de informação privilegiada. Da mesma forma foi com Mateus, discípulo direto de Cristo. De qualquer forma, nada nesse ocorrido encontra oposição no caráter de Herodes, conforme Josefo o descreve – e ele ficou cada vez mais paranoico nos seus últimos anos de vida. Fonte: Bíblia de Estudo Defesa da Fé, CPAD, 2010, pg 1475.
4 – É viável crer que Jesus tenha nascido em Belém
Há registros antiquíssimos que identificam Belém como o local do nascimento de Cristo. Justino Mártir, no século II, identificou uma caverna perto da aldeia como o lugar onde Jesus nasceu – uma igreja foi construída sobre a gruta. Posteriormente, por volta de 326 d.C., Constantino construiu ali uma basílica, que foi muito danificada numa revolta samaritana em 529 d.C., sendo reconstruída por Justiniano, que reinou entre 527 e 565 d.C. A população cristã da cidade decaiu depois da conquista dos muçulmanos, mas a basílica foi revitalizada quando reconquistada pelos cruzados, voltando a entrar em decadência durante o governo turco e sendo novamente reparada em 1670. Fonte: A Bíblia de Estudo Arqueológica, Vida, 2012, pg 1669.
Além do testemunho de Justino Mártir, o próprio relato de Lucas é plenamente confiável. Conforme a Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã,
A confiança na fidedignidade global de Lucas ao narrar os fatos do nascimento de Cristo foi firmada há décadas por Sir William Ramsay e, mais recentemente, por I. Howard Marshall e Raymond E. Brown. Fonte: Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Walter A. Elwell, Vida Nova, 2009, pg 4 do Terceiro Volume, artigo de J. R. McRay.
Para Joseph Ratzinger (Bento XVI), é evidente que Jesus tenha nascido em Belém, pois as duas fontes que temos para essa informação dependeram de tradições muito diferentes: Lucas e Mateus são influenciados por perspectivas teológicas diferentes e, além disso, apresentam quadros históricos parcialmente diferenciados, mesmo que não contradizentes. Se essas duas fontes, que brotaram de pesquisas ímpares, concordam sobre o nascimento de Jesus em Belém, então é bastante viável que Ele realmente tenha nascido lá. Fonte: A Infância de Jesus, Joseph Ratzinger (Bento XVI), Planeta, 2012, pgs 58-59.
5 – Teorias sobre a Estrela de Belém
Para os curiosos, há algumas teorias sobre o que foi a “estrela” que brilhou pouco antes do nascimento de Cristo, indicando o cumprimento da profecia e o local de sua ocorrência: alguns alegam que a estrela era uma supernova, ou um cometa que apareceu oportunamente, ou, ainda, uma tripla conjunção de Saturno e Júpiter ocorrida em 6 a.C. São propostas até plausíveis, mas elas não podem eclipsar o significado do evento – que realmente serviu como sinal do nascimento do Rei dos reis e Salvador da humanidade. Fonte: Manual Bíblico Unger, Merril Frederick Unger, Vida Nova, 2006, pg 377.
Bento XVI, citando o astrônomo vianense Konradin Ferrari d’Occhieppo, afirma que a Babilônia dos tempos de Jesus ainda era residência de,…
um pequeno grupo de astrônomos já em vias de extinção e que Tábuas de terracota, repletas de inscrições com cálculos astronômicos (…) são prova disso mesmo. Esses poderiam ser os “magos do oriente”. O Papa Emérito reforça a teoria da conjunção astral dos planetas Júpiter, Saturno e Marte no signo zodiacal de Peixes, ocorrida entre 7-6 a.C.
E comenta que ela poderia ter sido calculada pelos astrônomos babilônicos, indicando-lhes Judá e o nascimento do “rei dos judeus”. Naquele período havia uma forte expectativa de que sairia de Judá o dominador do mundo. É interessante perceber que Júpiter era a estrela a representar Marduq, a mais alta divindade babilônica.
Mais a frente no seu livro, Bento XVI cita o erudito Friedrich Weiseler de Göttingen, que parece ter encontrado em tábuas cronológicas chinesas que no ano 4 a.C. “aparecera e foi vista durante longo tempo uma estrela brilhante.” Fonte: A Infância de Jesus, Joseph Ratzinger (Bento XVI), Planeta, 2012, pgs 81 e 84.
Conclusão
Todos os anos aparecem novas teorias e reaparecem as antigas, mesmo que respostas dignas de crédito já tenham sido dadas repetidamente para todas as alegações. É sempre a mesma história e, portanto, é melhor nos acostumarmos. O que se deve fazer diante das notícias sensacionalistas e oportunistas é não se abalar, mas verificar se a fonte é confiável e estudar o assunto com mais afinco. Quando isso acontece, normalmente percebemos que a narrativa neotestamentária é o relato mais confiável sobre todos os eventos relacionados ao tempo no qual o Messias esteve entre nós.
Autor: Natanael Pedro Castoldi
Fonte: Entre o Malho e a Bigorna
MUUUIIITO BOM! SÓ REFORÇA A CRENÇA EM CRISTO E A CERTEZA DE SUA PRESENÇA ENTRE OS MEROS MORTAIS