Ciência/Religião

A primeira respiração do bebê é irredutivelmente complexa

 


Ninguém ensina um bebê a respirar. A compressão do tórax fetal no canal de parto pode ser o fator de impulso que o leva a executar a primeira respiração. Imagine a cena! Ele está sendo comprimido, está preso, precisa de espaço, então seu instinto inato é o de respirar. É provavelmente a primeira coisa que ele faz por si mesmo, mas como é que ele sabe o que fazer? Por muito tempo tem sido um mistério a maneira como os bebês realizam sua primeira respiração depois de ter vivido em um útero cheio de líquido. Ainda mais porque essa transição do útero para o mundo externo passa por várias mudanças radicais.

Durante o período uterino, o bebê não respira – pelo menos não no sentido usual. Ele recebe todo o oxigênio necessário para as funções do seu organismo através do chamado sistema circulatório fetal, em que a placenta e o cordão umbilical são responsáveis por fornecer oxigênio e nutrientes para o desenvolvimento do feto, bem como pela remoção de produtos residuais (trocas gasosas) [1]. Portanto, o oxigênio chega pelo sangue da mãe e circula do coração para os pulmões do feto; em seguida, para fora do corpo.

Enquanto isso, o sistema respiratório (vias aéreas, pulmões, etc.) está sendo formado [1]. Além de os pulmões do feto estarem inativos para troca de oxigênio, eles estão preenchidos por fluido pulmonar fetal (que difere do fluido amniótico que rodeia o feto no útero). Nesse sentido, para que um bebê possa sobreviver, devem existir três grandes diferenças estruturais que permitam a vida em sua casa temporária (útero). Conforme explica Guliuzza:

Em primeiro lugar, o bebê deve ter um pulmão substituto − uma tarefa bem difícil, mesmo para brilhantes engenheiros biomédicos. A placenta, um órgão notável, tem uma breve existência, mas cumpre uma miríade de funções vitais − especialmente como pulmão fetal e rim. Em segundo lugar, o circuito para os pulmões deve ser ignorado, por isso os vasos sanguíneos devem mudar para permitir esse desvio temporário (a nova rota que desvia em torno de um circuito é chamada de derivação). Em terceiro lugar, os vasos sanguíneos não devem apenas conectar a placenta ao bebê, mas também dentro do ponto de ligação para os vasos normais que levam para o coração. O cordão umbilical satisfaz a necessidade de uma ligação placentária-fetal por meio de uma veia de grande diâmetro e duas artérias menores. Dentro do bebê, elas continuam como a veia umbilical e artérias umbilicais [2].

Antes do nascimento, o corpo do bebê começa a se preparar para fazer a mudança de um receptor de oxigênio pela placenta para uma respiração pulmonar. Por volta das 35 semanas de gestação, as células alveolares nos pulmões começam a produzir surfactante (líquido que atua nos alvéolos), o que impedirá o colapso dos alvéolos quando o bebê exalar pela primeira vez [1]. Durante o parto, hormônios e outros fatores fazem com que o fluido fetal pare de ser produzido nos pulmões do bebê [3].

À medida que o bebê passa através do canal de parto, o peito é comprimido (as costelas são cartilaginosas nesse momento), forçando a saída de 5 a 10 mililitros de fluido para fora dos pulmões. Quando o bebê emerge, a libertação de pressão no tórax faz com que o ar seja aspirado para dentro dos pulmões. No entanto, a quantidade de ar ainda é insuficiente para preencher os alvéolos; o bebê deve conseguir isso por conta própria [1].

Em 2010, um estudo francês sugeriu que um único gene chamado Teashirt 3 (Tshz3) está presente na zona parafacial do tronco cerebral e é capaz de controlar o desenvolvimento de vários componentes em neurônios presentes nessa área cerebral, essenciais para a respiração no momento do nascimento [4]. Alguns desses componentes, por exemplo, seriam os músculos torácicos do bebê e um tipo de marca-passo no tronco cerebral que geraria um constante ritmo respiratório. Para os autores, a incapacidade de respirar ao nascer está correlacionada à ausência de atividade rítmica; além do mais, sem Tshz3, as células cerebrais responsáveis pelo controle das vias aéreas superiores estariam morrendo dias antes do nascimento. Aqui percebemos o ajuste fino nessas complexas redes neurais que regulam a respiração!

No momento em que o bebê nasce, diversas estruturas e funções têm que ser rapidamente reordenadas. Conforme Guliuzza,

menos de um minuto após o nascimento, os sinais do sistema nervoso do bebê causam fortes estímulos nos músculos do esfíncter [ao redor do cordão umbilical] para fechar a veia umbilical [que transporta o sangue da placenta para o bebê] […], e também para fechar a artéria pulmonar temporária (esse grande vaso fecha permanentemente ao longo de dois dias) [2].

Em 2015, um estudo francês contribuiu para o entendimento dessa transição rápida e complexa [5]. Os autores descobriram o papel de duas proteínas na via de sinalização que fecha esse desvio de sangue do cordão umbilical para o sistema pulmonar do bebê. Além disso, elas são reguladas por oito genes no cromossomo 2. Embora essas proteínas não estejam aparentemente envolvidas no encerramento funcional inicial do canal arterial − uma conexão arterial no feto que direciona o fluxo de sangue para fora da circulação pulmonar −, elas são importantes para o encerramento anatômico completo dentro de 24 horas.

A falha dessa etapa é uma das principais causas de morte nos partos prematuros, mas é raro em partos normais, afirmam os autores. Isso envolve uma “profunda remodelação das células dentro do antigo lúmen do canal arterial”, assim como a cascata de sinalização recruta células epiteliais e novos vasos sanguíneos e outros tecidos em um programa de reconstrução de alta velocidade e que devem ser mantidos para o tempo de vida do recém-nascido: potencialmente, cem anos ou mais [5].

Os autores não tentam explicar como esse sistema evoluiu. Na verdade, como poderiam? Visto que a seleção natural depende de reprodução, uma falha em quaisquer componentes dessa complexa transição faria o sistema entrar em colapso e impediria o recém-nascido de passar quaisquer mutações benéficas para a próxima geração. O sistema parece irredutivelmente complexo, uma vez que todas as peças são necessárias no momento do nascimento, e não poderiam ter sido acumuladas gradualmente.

 

Nota: capítulo traduzido e adaptado a partir de Creation-Evolution Headlines.

Fonte: Capítulo disponível no web book: Teoria do Design Inteligente

Referências:

[1] Samuels M, Samuels N. The new well pregnancy book. New York: Fireside, Simon and Schuster, Inc., 1996.

[2] Guliuzza RJ. Made in His Image: Baby’s First Breath. Acts & Facts 2009; 38(12):10-11. [Link]

[3] James A. Baby’s First Breath. About Kids Health, 2009. [Link]

[4] Caubit X, Thoby-Brisson M, Voituron N, Filippi P, Bévengut M, Faralli H, Zanella S, Fortin G, Hilaire G, Fasano L. Teashirt 3 Regulates Development of Neurons Involved in Both Respiratory Rhythm and Airflow Control. J Neurosci. 2010; 30(28):9465-76.

[5] Levet S, Ouarné M, Ciais D, Coutton C, Subileau M, Mallet C, Ricard N, Bidart M, Debillon T, Faravelli F, Rooryck C, Feige JJ, Tillet E, Bailly S. BMP9 and BMP10 are necessary for proper closure of the ductus arteriosus. Proc Natl Acad Sci U S A. 2015; 112(25):E3207-15.

Everton Fernando Alves

É escritor, palestrante e editor. Mestre em Ciências (Imunogenética) pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Especialista em Biotecnologia genômica (Biologia molecular) pela mesma Universidade. Autor de dezenas de publicações em diversos periódicos científicos na área Biomédica. Autor dos livros "Revisitando as Origens" e "Teoria do Design Inteligente". Atualmente, é Cofundador e Editor-chefe da Origem em Revista. Para saber mais sobre Everton, acesse a página Equipe no rodapé do site.

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